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21 de agosto 2018

Responsabilidade e liberdade no contexto montessoriano

Responsabilidade e liberdade, em um ambiente montessoriano, têm conceitos amplos e relacionados. Mesmo assim, quando se escolhe uma Escola Montessori para seu filho, muitas vezes o conceito de “liberdade”, da qual tanto se ouve falar sobre esse tipo de escola, pode não estar claro pra você.

Pensa-se que a relação das crianças com o ambiente, com as outras crianças e com os adultos é construída num processo “livre” e que elas fazem o que querem…

Que engano!

A liberdade da qual nos fala Montessori está relacionada às conquistas pessoais ou coletivas que se sucedem no desenvolvimento da criança, no caminho de aprender a fazer escolhas e responsabilizar-se por elas, de aprender a avaliar a validade de seus atos, de aprender a ser e se relacionar adequadamente com todos, visando ao bem-estar comum, de apresentar comportamentos apropriados a cada ambiente e em cada momento.

É isso que, do ponto de vista de Maria Montessori, representa ter liberdade – “sendo parte do todo, buscar a harmonia interior e interagir no todo de forma positiva”.

Ajudar a criança a construir essa liberdade é o papel dos adultos.

Sem dúvida alguma, ela inclui a responsabilidade, primeiro consigo própria para depois poder expandi-la até perceber-se como parte do Universo — caminho longo, talvez de uma vida…

Em uma Escola Montessori, é na prática diária, desde a classe dos pequeninos, o “Nido”, e/ou no pré-escolar da Educação Infantil que o terreno começa a ser preparado, num trabalho que tem início com a educação dos movimentos, um conjunto de atividades que permite que a criança desenvolva habilidades e construa repertórios que a habilitem para uma atuação cada vez mais autônoma e apropriada no seu ambiente.

Ativa no seu processo de autoconstrução, aprendendo a fazer para poder ser, a criança vivencia as muitas possibilidades de exercício que o ambiente estruturado que uma Escola Montessori oferece. Assim, em atividades de livre escolha, a ação da criança vai se organizando e é assim que sua liberdade também vai se ampliando.

Em algumas situações, que causem dano ou risco à própria criança, ao ambiente ou a outrem, deve haver um cuidado especial. Deste modo, a intervenção imediata do adulto é necessária para mostrar à criança a maneira correta de agir. Ensinar ensinando!

Muitas vezes o que acontece, por parte dos adultos, é uma sucessão de “nãos” e de ordens que não constroem: “não faça isso!”, “fique quieto!”, “desça daí!”, “não bata a porta”, “não corra”! Expressões que apenas interrompem ou impedem a ação da criança e a ensinam a dizer muitos “nãos”…

Ensinar, ensinando requer que se demonstre à criança a maneira correta de agir:

– Para sair, caminhamos…
– Para fechar a porta, faço assim…
– No sofá, nós nos sentamos!
– No cinema, ficamos em silêncio!
– Na rua, as crianças precisam caminhar junto ao adulto!
– Para falar, cada um espera sua vez!

Muitas informações vão sendo vivenciadas com a criança; assim, ela adquire atitudes adequadas e constrói bons hábitos.

Ao refletirmos sobre liberdade, cremos que ela está inversamente relacionada à disciplina e aos limites, mas do ponto de vista montessoriano é justamente o contrário.

Só é livre aquele não se sente atado pelos limites, que reconhece os que deve transgredir para conquistar seu crescimento pessoal, que respeita os limites que lhe são necessários para uma convivência harmoniosa em todos os planos de relações: consigo próprio, com o outro e com o ambiente. E esse, sem dúvida, é aquele que se autodisciplinou.

Toda essa construção culmina na formação do caráter e é por isso que devemos estar atentos às crianças pequenas, que estão desenvolvendo a concepção de bem e mal. Portanto, essa é, para Maria Montessori, a primeira lição que lhes deve ser dada. Devem ser cuidadas para não confundirem o bem com a passividade ou a inatividade e movimento e ruídos com o mal…

Crianças são puro movimento e por vezes ruidosas, precisam de espaço para usar a energia que trazem consigo, mas não se justifica que possam agir desrespeitando os outros.

Portarem-se de maneira indevida em diferentes espaços, aos gritos e correrias, não se justifica por serem crianças.

É desde pequenas que elas precisam aprender os comportamentos sociais — a isso nós chamamos de “Lições de Graça e Cortesia”. Portanto, somos nós, os adultos, que cuidamos de lhes ensinar as regras sociais da nossa cultura.

Para termos liberdade com responsabilidade, precisamos conhecer e respeitar os limites em cada situação de vida, ou identificar quando precisamos transgredi-los, superando-nos, com determinação, quando isso conduzir ao aprimoramento pessoal.

Liberdade só se aprende com verdadeiras lições de disciplina e responsabilidade!

“O homem é tanto mais livre quanto for sua capacidade de escolher as coisas que lhe fazem bem.”
– Maria Montessori

Por Marcia Righetti — Pesquisadora; Especialista no Sistema Montessori; Coach de formação Montessori; Fundadora do Projeto Pedagógico da Aldeia Montessori, que dirige há 40 anos, e do Centro de Estudos Montessori do Rio de Janeiro; Sócia fundadora da Organização Montessori do Brasil.